Nos olhos o brilho da superação, no rosto de pele clara, e às vezes rosada, a expressão serena; na cabeça, um banho de consciência de que sempre haverá o amanhã. Essa é a estudante do segundo ano do ensino médio da ABEU Colégios Nilópolis Paula de Sant’Ana Leite Brito, 16 anos, diagnosticada desde os três anos com a doença genética atrofia espinhal muscular progressiva, conhecida também pela sigla AME. Ela é uma das cinco alunas da Instituição selecionadas no Festival das Escolas para participar do revezamento da tocha olímpica durante sua passagem pelo município de Nova Iguaçu, prevista para agosto.
Orgulho da mãe, a professora Fabiane Sant’Ana Leite, 39 anos, e da irmã e companheira de sala de aula Beatriz Sant’Ana, 17 anos, Paula Sant’Ana não se enquadra em nenhuma definição típica das pessoas que vivem se lamentando por conta da limitação motora. Exemplo de alto-astral, ela curte esporte, música e notícia. Inclusive é daquelas que disparam gritinhos para o ídolo: “Lindo, lindo, lindo!”. No caso, o polêmico Justin Bieber. Com sorriso largo, Paula lembra do show na Apoteose, em novembro de 2013: “Foi muito bom assistir Bieber de perto, apesar do forte calor e de ficar com a pele vermelha”, conta.
Mas essa sensação não se compara ao momento em que a cadeirante Paula Sant’Ana recebeu a notícia de que o seu texto foi aprovado e selecionado pela banca do Festival das Escolas e se transformou no passaporte para a sua participação no revezamento do símbolo dos jogos olímpicos. “Foi mágico receber a notícia. Só consegui produzir o texto e entregá-lo ao professor Guilherme Simões no último dia. Isso só foi possível com a ajuda da minha irmã e anjo da guarda Beatriz, que sempre colabora muito comigo diariamente, inclusive em sala de aula”, reconhece.
A anjo da guarda Beatriz Sant’Ana não consegue falar sobre a Paula sem que as lágrimas deslizem sobre a face desenhada a caneta nanquim. “A Paulinha é muito especial, muito inteligente. É a melhor aluna da turma e suas notas são sempre as máximas”, conta emocionada. A convivência com a doença da irmã estimulou a adolescente a fazer doação de sangue e de medula óssea. Quanto aos cuidados necessários para com a irmã, Beatriz olha para Paula e diz, se esforçando para conter o choro: “A gente pensa que não vai conseguir, mas Deus dá força”.
Inteligente e consciente da importância do momento e da sua participação no evento, Sant’Ana afirma que vai conduzir a tocha olímpica com a cadeira motorizada e acompanhada pela mãe-guerreira Fabiane Sant’Ana. “Entendo ser uma oportunidade para mostrar às pessoas que tudo pode ser superado. Eu sempre acompanhei as Olimpíadas. Sonhei com os jogos e conquistei o direito de participar de alguma maneira. Não há limites para o ser humano”, afirma.
A coordenadora de Esporte da ABEU Colégios, Kárem dos Santos Ferreira, diz que a aluna Paula Sant’Ana é um prêmio ao trabalho da Instituição. “Tê-la no seleto grupo de condutores da tocha olímpica nos dá a sensação do dever cumprido. Significa que estamos fazendo uma educação de inclusão de verdade. Estamos garantindo a aprendizagem de todos os alunos sem exceção”, define.
Moradora no Centro de Nilópolis, a adolescente tem luz própria. Ela se destaca como a melhor aluna da sala de aula. Fala fluentemente inglês, canta rock, pop, faz palestra sobre a atrofia espinhal muscular progressiva e administra um grupo numa rede social intitulado AME. Mas isso não é tudo. Ela também curte um clima de romance, claro. “A Paula já está começando a se aventurar no universo do amor”, entrega a mãe.
E foi o amor maternal, incondicional, que fez aumentar o núcleo familiar. Aos três anos de idade, Paula teve um diagnóstico errado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. Mãe preocupada e inquieta, Fabiane Sant’Ana encontrou apoio da diretoria da ABEU Colégios e procurou tratamento na Universidade São Paulo (USP), onde foi descoberta a atrofia muscular progressiva na Paula. “Naquele momento fiquei sem chão. Nunca imaginei que teria uma filha com problema motor”, conta Fabiane.
Emoção
Durante o tratamento, a bióloga molecular e professora do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da USP, Mayana Zatz, falou da possibilidade de frear a progressão da doença usando células-tronco no tratamento. Fabiane havia se separado do pai de Paula e Beatriz e iniciava um novo relacionamento. “Só pensei na possibilidade de ajudar a minha filha. A situação era delicada. Início de relação, mas conversei com o meu namorado na ocasião, expliquei tudo para ele e afirmei que assumiria integralmente a formação da criança, o eximindo de qualquer responsabilidade econômica. Eu, inclusive, assumi o compromisso de assinar todo e qualquer documento caso houvesse a necessidade, mas não foi o caso”, recorda.
O resultado é que nasceu o Cleber, o terceiro filho de Fabiane com 98% de compatibilidade com a Paula. “Foi muita emoção. Gerar um filho e ainda contribuir para melhorar a qualidade de vida de uma filha é simplesmente impossível descrever esse sentimento”, fala com lágrimas nos olhos. O tratamento teve início com resultado positivo. Com 70% do procedimento em andamento, surgiu uma batalha jurídica sobre a questão que parou no Supremo Tribunal Federal (STF), o que prejudicou a continuação do tratamento.
“Havia uma discussão no STF sobre a decisão da liberação ou não das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil. Ocorriam vários adiamentos devidos aos pedidos de vista dos ministros, que alegavam a necessidade de mais tempo para analisar o caso. Ou seja, tivemos que interromper o tratamento”, lamenta a mãe de Paula.
Integração
A estudante Paula Sant’Ana seguiu conquistando avanços. Mesmo não completando todo o tratamento, ela conseguiu prolongar por mais quatro anos os movimentos, retardar a atrofia e fraqueza muscular, trabalhar o equilíbrio e a coordenação, expandir o de desenvolvimento e a rigidez muscular.
“Normalmente a criança para de andar aos 7, 8 anos. A Paulinha avançou com seus movimentos até os 11 anos”, explica a mãe. Segundo Fabiane, nos Estados Unidos já existe um medicamento que está renovando a esperança dos pacientes da AME. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não fez a liberação para o mercado consumidor.
De acordo com a estudante, a percepção da doença só chegou para ela aos oito anos. “A ficha caiu de verdade aos 11 quando parei de andar, mas sempre fui muito bem acolhida. Levo uma vida normal, claro, com a ajuda da minha mãe e da minha irmã, e completamente integrada na ABEU Colégios”, finaliza.
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